quarta-feira, 12 de maio de 2010

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

17º Capitulo

´´As heresias``

O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou advertências contra o risco das práticas judaizantes, gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos mortos.

O Apocalipse de João denuncia duas seitas gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo Testamento e levavam uma vida libertina.

O que é gnose? A gnose é uma espécie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espécie.

Os gnosticismo cristão (sim, porque havia também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e pagão) possuía uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes eões eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de eões constituíam o pleroma.

No meio da seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento.

O homem, emanação do éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo. Os que querem viver estão condenados. São chamados de "hílicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psíquicos", têm a possibilidade de alcançar a paz interior. Finalmente, os que renunciam à vida, os "espirituais", são os únicos capazes de obter a salvação.

Jesus era um éon escondido em um invólucro de carne humana. A razão de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose.

Existiu um gnosticismo sírio-cristão, encabeçado por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também houve o gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número de seitas era enorme.

Temos Marcião, gnóstico "híbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.

Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas.

Marcião organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores serão irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passará para o maniqueísmo no século III.

Há ainda o montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia, acreditava ser o único depositário do dom da profecia. Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um movimento de evangelização frenético pelas províncias do Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Espírito.

Tal loucura se espalhou rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A austeridade moral exigida por Montano não espantava em um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na iniciação dos mistérios frígios. O martírio era obrigatório no montanismo.

A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares.

A controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia 14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no século II, jurisdição sobre todas as igrejas).

O monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo).

Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

16º Capitulo

´´Vida de fé e sacramentos``

Quem vai a Roma atrás de atrações turísticas quase certamente vai querer conhecer as catacumbas, cemitérios subterrâneos na periferia da cidade antiga. Lá os cristãos enterravam seus mortos. Nessas galerias subterrâneas gerações de fiéis oraram pelos seus entes queridos. Nas suas paredes existem várias pinturas relembrando cenas bíblicas: Moisés batendo no rochedo, Daniel na cova dos leões, Jonas saindo das entranhas do peixe ou o Bom Pastor...

O rito de iniciação cristã, como já vimos, era o batismo, geralmente ministrado para adultos (só quando o cristianismo se tornar religião majoritária a prática do batismo de crianças será a praxe comum). Os conversos tinham um período de preparação, o catecumenato, durante o qual se preparavam para receber este sacramento.

Os que eram aprovados, recebiam o batismo nas correntezas de algum rio. Quando não houvesse rio, era utilizada uma piscina. E, na falta de uma piscina, batizava-se derramando a água sobre a fronte, como se faz hoje em dia em nossas igrejas.

Ao receber o batismo o fiel já pode se aproximar da eucaristia, a carne e o sangue de Jesus Cristo. Eucaristia é uma palavra grega que quer dizer "ação de graças". Todos os domingos os cristãos se reuniam na casa de alguém - podia ser a casa de um rico convertido - para celebrar a Santa Missa (o termo missa parece ser oriundo do latim - "ite missa est", "ide, é o fim", dizia o diácono, despedindo os fiéis - e é usado a partir do século IV). Em tempos de perseguição ou no aniversário de morte de um mártir, os fiéis se dirigiam às catacumbas, onde era mais seguro. Faziam-se leituras do Antigo Testamento ou das cartas dos apóstolos. Em seguida o presidente exortava a assembléia, com base na Palavra proclamada. Após esta "homilia", os fiéis faziam suas preces e ofertavam no altar o pão, o vinho e a água. O presidente então dizia preces e ações de graças, repetia as palavras de Jesus na última ceia (consagrando o pão e o vinho), e iniciava a distribuição da Eucaristia. Os diáconos levavam parte do alimento consagrado para os ausentes. Os fiéis mais generosos entregavam suas doações ao presidente, que as dividia entre os orfãos, as viúvas, os doentes, os estrangeiros e encarcerados.

Pouco a pouco começa a se organizar um ciclo litúrgico. No segundo século a festa da Páscoa era comemorada anualmente.

Jesus era o centro da fé. Orava-se várias vezes ao dia, erguendo-se as mãos e voltando-se para o Oriente, ajoelhando-se, prostrando-se. Orava-se antes das refeições, ao levantar, na hora de dormir, quando se fazia alguma ação especial, enquanto se trabalhava ou antes de sair para visitar alguém. Havia também o costume, herdado dos judeus, de rezar na hora terceira, na hora sexta e na nona. Rezava-se o Pai Nosso, salmos extraídos das Escrituras, hinos, como o Magnificat e o Benedictus, além de orações espontâneas.

À medida que o cristianismo crescia em número, aumentavam os casos de fiéis que cediam às tentações da cobiça, da luxúria, da apostasia...

A penitência era algo levado muito a sério. Quem pecasse gravemente depois do batismo podia não mais voltar para a comunhão da Igreja. No século II duas correntes se enfrentam: uma mais rigorista e outra mais tolerante. A primeira recusava o perdão em todos os casos, deixando os fiéis em pecado grave entregues à própria sorte. O poder de perdoar, concedido a Pedro e aos demais apóstolos, era usado com muito critério naqueles tempos.

No fim do século II, o cristão em pecado grave era obrigado a oferecer algum tipo de reparação para a Igreja. Durante algum tempo era excluído da liturgia eucarística e precisava fazer jejuns, dar esmolas, submeter-se a severas mortificações até o dia em que o bispo lhe concederia a absolvição.

O casamento era vivido pelos cristãos com um sentido inteiramente novo. Para eles a relação entre marido e mulher devia refletir a relação entre Cristo e a Igreja. O casamento era um sacramento no qual o mistério do amor humano era assumido e elevado pela graça. Apesar deste caráter sobrenatural, no entanto, não havia nenhuma cerimônia litúrgica especial para o casamento. "Os cristãos se casam como todo mundo", diz a epístola a Diogneto. O aborto e o abandono de crianças, práticas comuns entre os pagãos, eram totalmente condenados. O matrimônio, para os seguidores de Jesus, era indissolúvel.

Da maior parte dos papas deste século não restou senão o nome (Evaristo, Alexandre, Sixto, Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sóter, Eleutério...). Mesmo assim, o primado da Igreja de Roma e do seu bispo, o Sucessor de Pedro, era amplamente reconhecido e aos poucos ia ganhando maior destaque.

Embora houvesse várias igrejas espalhadas pelo orbe, todos os fiéis tinham consciência de pertencerem à grande Igreja, a Igreja de Jesus Cristo

segunda-feira, 3 de maio de 2010

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

15º Capitulo

´´Difusão do Cristianismo no 2º século``


No final do século II, existem cristãos espalhados em todos os lugares do mundo romano. No Oriente (Ásia Menor, Síria, Palestina), a concentração de fiéis é maior, inclusive fora das cidades. No Ocidente, o progresso da evangelização é desigual. O Evangelho penetrou profundamente na Itália Central, no sul da Espanha, no norte da África. Na Ilíria, na Itália do Norte e na Gália a presença é menor.

Fora do Império existiam cristãos no reino de Edessa e no Império Persa.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

14º Capitulo

´´Os apologistas``

"De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente entraram em relação com as escolas filosóficas. Isto não significa que tenham identificado o conteúdo da sua mensagem com os sistemas a que faziam referência. A pergunta de Tertuliano: ‘Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?’, é um sintoma claro da consciência crítica com que os pensadores cristãos encararam, desde as origens, o problema da relação entre a fé e a filosofia, vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas limitações" (Fides et Ratio, n. 41).

Durante o século II um considerável número de gentios com sólida formação intelectual ingressou na Igreja. O fato de terem aderido ao Evangelho os obrigava ao confronto com a filosofia gentílica. Para defenderem a fé dos ataques dos perseguidores, e também dos detratores, muitos escreveram obras inteiras de apologética, ficando por isto conhecidos como Apologistas.

Entre os ataques ao cristianismo promovidos por intelectuais, podemos citar o discurso do retor Frontão de Cirta, preceptor de Marco Aurélio, Luciano de Samósata e Celso (com sua obra polêmica: Alethès lógos, c. de 178). Entre as acusações contra os cristãos, as mais comuns são a de ateísmo, assassinato ritual de crianças e traição ao imperador.

O grafitto do Palatino nos mostra um asno crucificado com algumas inscrições. Um certo Alexamenos, jovem cristão, é ridicularizado pelo companheiro de estudo: "Alexamenos adora o seu Deus". Em resposta escreve ao lado do insulto a frase: "Alexamenos fiel".

Diante da cultura pagã a Igreja assumiria duas posições: uma de oposição e rejeição (com Taciano, Teófilo ou Tertuliano, por exemplo), e outra de aproveitamento, assimilação dos seus aspectos positivos (Justino e outros pensadores cristãos, principalmente do mundo grego). A influência de filósofos gregos, principalmente Platão, sobre os Padres da Igreja é marcante.

Entre os apologistas, citamos Quadrato, Aristão, Milcíades, Apolinário, Melitão, Aristides de Atenas e Justino. Também merecem destaque Taciano, Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Hérmias e a epístola a Diogneto.

Quadrato foi discípulo dos apóstolos. Apresentou uma apologia ao imperador Adriano, em 123/124 (ou em 129?). Aristão de Pela defendeu o cristianismo contra os ataques dos judeus redigindo o Diálogo entre Jasão e Papisco sobre Cristo. Milcíades, retor originário da Ásia Menor, escreveu várias apologias contra os gregos e os judeus. Apolinário, bispo de Hierápolis, compôs quatro apologias. Melitão, bispo de Sardes, enviou uma defesa da fé cristã ao imperador Marco Aurélio.

Aristides de Atenas, um filósofo, redigiu sua Súplica em favor da religião cristã para o imperador Adriano.

De todos os apologistas aquele que merece mais destaque, com certeza, é Justino. Martirizado pelo ano 165, era filho de uma família greco-pagã de Flavia Neapolis, antiga Siquém, na Palestina. Familiarizado com muitas correntes filosóficas, não encontrou nenhuma que lhe desse todas as respostas que procurava. Sua mente e seu coração só encontraram a resposta na fé cristã.

Conservamos de suas obras duas Apologias contra os gentios e o Diálogo com o judeu Trifão.

A teoria das sementes do Verbo que ele formulou estabeleceu uma ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo. Em seus escritos encontram-se valiosas informações sobre o batismo e a celebração litúrgica. Justino chega a esboçar uma formulação do dogma da transubstanciação. "De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado". Também é relevante o paralelo que ele faz entre Maria e Eva, semelhante ao paralelo paulino entre Cristo e Adão.

Taciano foi discípulo de Justino. Depois do martírio do seu mestre, deixou Roma e voltou para o Oriente, sua região de origem. Acabou aderindo à seita dos encratitas, pregando a abstinência do matrimônio, do vinho e da carne. Seguindo Epifânio, substituiu o vinho pela água na eucaristia. Escreveu várias apologias.

Atenágoras de Atenas supera Justino em sua linguagem, estilo e ritmo. É mais tolerante do que Taciano no que se refere à filosofia e cultura gregas. Fez uma "Súplica em favor dos cristãos", dirigida, cerca de 177, a Marco Aurélio e Cômodo. Testemunha a fé da Igreja na Trindade antes do concílio de Nicéia: os cristãos adoram o Pai, o Filho e o Espírito Santo e veneram os anjos.

Teófilo de Antioquia, bispo desta cidade, escreveu três livros A Autólico, depois de 180. É o primeiro a empregar o termo triás para falar de Deus.

A carta a Diogneto foi redigida na segunda metade do século II, de acordo com a maioria dos estudiosos. Um certo Diogneto teria feito a um cristão três perguntas: 1) Qual a religião dos cristãos e por que eles rejeitam o judaísmo e o paganismo? 2) O que é a caridade para com o próximo? 3) Por que a religião cristã apareceu tão tarde na história do mundo?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

História da Igreja Católica




Do Nascimento ao Triunfo

13º Capitulo

´´Perseguições do 2º século - a gesta dos mártires``

Os Antoninos, Adriano (117-138), Antonino Pio (138-161) e Marco Aurélio (161-180) não fizeram mudanças na legislação anticristã. Esporadicamente eclodiam novas perseguições e a Igreja ganhava novos mártires. Muitas vezes era a turba que, fanatizada, levada pela inveja ou pelo patriotismo, denunciava e entregava os cristãos ao poder público.

Na Gália temos os mártires de Lyon, em 177. Uma revolta popular arrastou para a morte cinqüenta cristãos, entre eles Potino, o bispo, que contava na ocasião 90 anos, o diácono Sanctus e a escrava Blandina. Esta última suportou com incrível coragem inúmeros tormentos antes de entrar no repouso de Cristo. Depois de queimarem os corpos dos mártires, lançaram suas cinzas no Ródano. Os algozes comentavam, em tom de zombaria: "Vejamos se agora o seu Deus os ressuscita".

Em Roma temos a pequena Cecília. Jovem, de família nobre, quis consagrar-se a Cristo e fez voto de virgindade. O cutelo do carrasco precisou ser usado várias vezes antes de conseguir tirar-lhe a vida. Também muitos papas morreram mártires ao longo do século II.

Em Scili, na África, doze fiéis foram presos. O interrogatório ao qual foram submetidos ficou registrado para a História. Todos receberam a coroa do martírio.

Não se deve imaginar, no entanto, que os mártires não tinham medo das torturas e da morte. Muitos cristãos preferiram renegar a própria fé, caindo na apostasia, a morrer por Cristo.

Porém, "o sangue dos mártires é semente de cristãos" (Tertuliano). A coragem dos que preferiam o Senhor à própria vida ajudava na propagação da fé.

terça-feira, 27 de abril de 2010

História da Igreja Católica






Do Nascimento ao Triunfo

12º Capitulo

´´Os padres apostólicos``

A geração cristã que sucede aos apóstolos tem à sua frente bispos e presbíteros, entre os quais se destacam algumas figuras, luminosas por sua santidade, sabedoria e zelo doutrinal: os Padres Apostólicos.

Seus escritos são muito parecidos com as epístolas do Novo Testamento. Procuram mostrar aos fiéis a importância da salvação concedida por Cristo, reforçam a esperança no seu retorno, exortam à obediência aos pastores das suas comunidades e alertam para o risco das heresias e cismas.

São eles: Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pápias de Hierápolis, Barnabé e Hermas.


a) Clemente Romano

Clemente possuía, na sua época, grande autoridade, embora tenha sido conservado apenas um escrito de sua autoria: a carta aos Coríntios. A Igreja na Síria atribuiu a esta carta valor canônico, e o Codex Alexandrinus da Bíblia a incluiu entre os livros inspirados. Em torno do ano 170 o bispo Dionísio de Corinto atesta a sua leitura litúrgica.

Orígenes e Eusébio identificam Clemente com o colaborador de Paulo citado em Fl 4,3. De acordo com Santo Ireneu, ele foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma (Pedro, Lino, Anacleto, Clemente). Para Tertuliano, no entanto, Clemente recebeu a Ordem diretamente do Príncipe dos Apóstolos.

O seu exílio para o Quersoneso Taurino e o seu martírio no mar Negro não podem ser considerados como fatos históricos.

A carta aos Coríntios, de Clemente, foi redigida nos últimos anos de Domiciano imperador (c. de 96). A razão de tal carta foram contendas naquela igreja. Membros mais jovens da comunidade haviam deposto os presbíteros. Quando a notícia chegou a Roma, Clemente interveio.

Nesta carta podemos detectar já a presença e o exercício do carisma petrino. Com autoridade, o bispo da Cidade Eterna exorta os coríntios a se submeterem aos seus superiores eclesiásticos, exigindo que a estrutura hierárquica da Igreja de Deus seja respeitada.

b) Inácio de Antioquia

Bispo da cidade de Antioquia, Inácio foi condenado, no reinado de Trajano, a ser dilacerado pelas feras. Em seu trajeto para o martírio, da Síria até Roma, escreveu sete cartas, para as igrejas de Éfeso, Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna, e para seu irmão no episcopado, Policarpo.

Para Inácio, a eucaristia é "a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou". Ensina que para a unidade da Igreja é fundamental a comunhão com a hierarquia: bispos, presbíteros e diáconos.

Santo Inácio utiliza, pela primeira vez, o termo "Igreja católica" para designar a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. "Onde aparece o bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja católica". Distingue a comunidade de Roma dentre todas as demais. É ela a igreja que "preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai..." Lá os apóstolos Pedro e Paulo selaram seu testemunho. Em Roma se encontra o autêntico magistério da fé.

Seu martírio ocorreu por volta do ano 110.

c) Policarpo de Esmirna

Policarpo chegou a conhecer o apóstolo João, que o constituiu bispo de Esmirna. Em meados do século I tentou fazer um acordo, em Roma, com o papa Aniceto, sobre o dia da celebração litúrgica da festa da Páscoa (primeira controvérsia quartodecimana). O heresiarca Marcião, ao encontrá-lo, perguntou ao santo se o conhecia. Policarpo respondeu: "Sim, eu te conheço. És o primogênito de Satanás". De acordo com o testemunho de Santo Ireneu, Policarpo escreveu várias epístolas a diversas comunidades e a bispos em particular. A única que nos chegou foi a remetida para a igreja de Filipos.

O Martírio de São Policarpo é a mais antiga narrativa de um martírio de que se tem notícia. Não se pode duvidar de sua autenticidade. Em um de seus trechos mais belos, o santo bispo recebe a ordem de amaldiçoar Jesus Cristo. Policarpo responde: "Há oitenta e seis anos que o sirvo; jamais ele me fez mal algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e Salvador?" Quando as chamas da fogueira milagrosamente se desviavam do seu corpo, teve de ser morto com uma punhalada. E. Schwartz acredita que a morte de Policarpo se deu no dia 22 de fevereiro de 156.

Seus ossos foram recolhidos por fiéis, "mais valiosos que pedras preciosíssimas, mais apreciados que o ouro, e os sepultaram num lugar apropriado, onde se poderiam reunir eles em cada aniversário" - evidência de um culto de relíquias ainda em estado embrionário.

d) Pápias de Hierápolis

Pápias conheceu o apóstolo João e foi companheiro de São Policarpo. Bispo de Hierápolis, redigiu cinco livros relatando ensinamentos e atos de Jesus e dos que o seguiam (cerca de 130).

Eusébio, em sua História Eclesiástica, chama Pápias de espírito mesquinho, por causa de suas inclinações milenaristas. Da obra de Pápias só restam alguns fragmentos, um dos quais fala da origem dos evangelhos de Mateus e Marcos.

e) Barnabé

Na verdade a única referência que temos sobre este Barnabé é uma epístola. Clemente Alexandrino, Orígenes e a tradição em geral, atribuem esta epístola ao Barnabé companheiro de São Paulo. Eusébio de Cesaréia e Jerônimo consideram o documento como apócrifo.

A primeira parte do escrito fala sobre o Antigo Testamento e analisa as várias prefigurações do Cristo. A segunda, no estilo da Didaqué, expõe a doutrina das duas vias, a da luz e a das trevas.

Provavelmente o seu autor era um mestre gentio convertido. A composição da carta não tem data certa. Possivelmente depois do ano 130.

f) Hermas

Hermas era um comerciante de condição simples, cristão, com uma visão um pouco estreita, mas sincero e piedoso. Para Eusébio e Orígenes, tratava-se do mesmo Hermas referido por São Paulo em Rm 16,14.

Sua única obra conhecida é chamada de o Pastor de Hermas. Seguindo o modelo dos apocalipses judaicos, é uma exortação forte à penitência que utiliza muitas imagens misteriosas. Afirma a possibilidade de haver perdão dos pecados após o batismo, embora por tempo limitado. Contradizendo muitos autores antigos, Hermas considera lícito um novo matrimônio depois da viuvez.

Os Padres da Igreja, grandes representantes do cristianismo dos primeiros séculos, explorarão as riquezas da Escritura e da Tradição para expor e aprofundar a fé.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

11º Capitulo

´´Roma e o Cristianismo - primeiras perseguições``

Melitão, bispo de Sardes, cidade da Ásia Menor, escreveu uma carta para o imperador Marco Aurélio defendendo os cristãos perseguidos. Nesta carta, ele fala da providencial coincidência entre o nascimento do Império e o aparecimento do cristianismo. Jesus nasceu quando Augusto era imperador, e pregou no reinado de Tibério. A rápida expansão do cristianismo se deveu principalmente à unificação da bacia mediterrânea sob o poderio romano e às facilidades proporcionadas pelas estradas e rotas marítimas, que permitiam a rápida circulação de pessoas e idéias.

Mas quando foi que o Império começou a se dar conta da existência do cristianismo?

O documento oficial mais antigo falando dos cristãos é do ano 112: uma carta enviada a Trajano pelo procônsul da Bitínia, Plínio, o Jovem.

A opinião pública confundia os judeus com os cristãos. Geralmente ambos os grupos eram vítimas das mesmas acusações e maledicências. Mas em Roma a diferença foi percebida bem cedo. Em 49, Cláudio "expulsa de Roma os judeus que se agitavam por instigação de Crestos [Cristo?]" (Suetônio).

Nero começou a governar com a idade de 17 anos. Dirigiu o Imperium de 54 a 68. Mandou matar o irmão, a mãe e seu mestre, Sêneca (os dois últimos sob influência da sua amante, Popéia Sabina). Em 62 divorciou-se da mulher, Otávia, a qual fez exilar em Pandatária. Tantos crimes provocaram a indignação popular.

Foi na noite de 18 (ou 19?) de julho de 64 que as trombetas dos sentinelas começaram a ser ouvidas pelos quatro cantos de Roma. O fogo se espalhava rapidamente. Depois de cento e cinqüenta horas, quatro dos catorze bairros da cidade tinham sido completamente devorados pelas chamas, enquanto de sete só sobravam as paredes das edificações ou escombros inabitáveis.

Sobre as causas da calamidade circularam vários rumores. Alguns pensaram que tinha sido apenas um acidente. Mas atribuir ao acaso tamanha destruição não parecia uma hipótese muito plausível. Precisava-se de um culpado. E logo o seu nome começou a correr de boca em boca.

Seria o próprio Nero o responsável? Sabia-se que ele desejava demolir as velhas construções para edificar uma nova Roma. Talvez fosse um castigo dos deuses por causa dos crimes hediondos do imperador. Suetônio nos fala de um boato segundo o qual Nero teria permanecido em uma torre durante o incêndio, com roupas de teatro e uma lira, admirando o terrível espetáculo e entoando um poema de sua autoria sobre a conquista de Tróia e o fogo nela ateado pelos guerreiros de Agamenon.

Nero logo teve de arrumar um bode expiatório. Através de torturas e falsas testemunhas, obteve as "provas" para acusar os cristãos. As prisões ficaram lotadas a ponto de Tácito se referir aos encarcerados como uma "grande multidão". Sob acusação de "inimigos do gênero humano", os cristãos foram perseguidos.

Tertuliano fala de um instrumento jurídico instituído por Nero para legalizar a perseguição, o Institutum Neronianum, que afirmava a ilicitude do cristianismo ("non licet esse Christianos", não é lícito ser cristão). Mas os historiadores não são unânimes em reconhecer isto como fato.

Não apenas os cristãos eram trucidados, degolados e crucificados no circo de Nero (que ficava localizado onde hoje está a Basílica de São Pedro). Organizaram-se verdadeiras caçadas nos jardins do imperador, com fiéis fantasiados de animais. Foram encenadas as mais escabrosas cenas, copiando a mitologia pagã, onde os "atores", cristãos, eram humilhados e ultrajados de mil maneiras e com sadismo indescritível. Durante a noite, pelas alamedas, cristãos cobertos de pez e resina ardiam em chamas, queimados vivos, iluminando o caminho para a passagem da carruagem de Nero.

Pedro, em uma de suas epístolas, alude a esses terríveis sofrimentos. Mais tarde, quando João escrever o Apocalipse, a sua lembrança ainda será muito viva.

Nada mudou com Domiciano (81-96), que se autoproclamou "Dominus et Deus". Quando o século I termina, a fé cristã já começa a conquistar as classes mais altas, chegando até o palácio do imperador. Flávio Clemente, Flávia Domitila, parentes de Domiciano, e Acílio Glábrio, um dos cônsules de 91, eram cristãos. Para satisfazer a alegria das elites pagãs, o imperador massacra os fiéis, tomando seus bens e executando-os sob a acusação de ateísmo. Na Ásia a perseguição foi bem violenta.

Trajano (98-117), mais tolerante, responde a Plínio, o Jovem, em uma carta dizendo que os cristãos não deviam ser procurados e que as denúncias anônimas deviam ser ignoradas. Os cristãos convictos que se recusassem a abandonar suas crenças, no entanto, seriam punidos. O Rescrito de Trajano, como é conhecido este documento, estabeleceu jurisprudência.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

10º Capitulo

´´O fim de Jerusalém``

Cansado da brutalidade dos procuradores Albino (62-64) e Géssio Floro (64-66), e incitado pelos zelotas, o povo judeu se revoltou. Em Cesaréia e Jerusalém houve grande agitação. A fortaleza Antônia e o palácio de Herodes foram consumidos pelas chamas. As suas guarnições foram massacradas. Ataques contra guarnições romanas pipocavam em toda a Palestina.

Durante o inverno de 66-67, o legado da Síria levou doze legiões pela costa mediterrânea e conseguiu chegar aos muros de Jerusalém, mas foi derrotado pelos guerrilheiros judeus. A vitória exaltou os ânimos dos rebeldes. Chegaram a ser cunhadas moedas de prata com a data do "primeiro ano da liberdade" de Israel.

Roma reagiu com força. Em 67 Nero enviou o general Vespasiano, que devastou a Galiléia com sessenta mil soldados. Mas, ao chegar na região montanhosa do país, sofreu várias baixas, algumas bem graves.

Na Páscoa do ano 70, Vespasiano, sucessor de Nero (depois de alguma confusão), enviou o seu filho Tito para Jerusalém, com todas as forças necessárias. A cidade santa foi cercada.

Depois de cinco meses de horror, o cerco termina com a vitória dos romanos. Jerusalém é reduzida a ruínas, o Templo incendiado e muitos cadáveres ficam apodrecendo pelas ruas. A resistência judaica é reduzida a grupos insignificantes.

O último reduto fica em Massada. No ano 73, Flávio Silva, legado da Judéia, triunfa sobre os revoltosos sicários chefiados por Eleazar, os quais, para evitarem uma humilhante rendição, preferem matar-se uns aos outros.

Tais fatos só contribuíram para aumentar ainda mais a tensão entre judeus e cristãos. O historiador Tácito fala de um comentário feito por Tito, evocando "a luta de uma destas seitas contra a outra [judeus e cristãos], apesar da sua origem comum".

Por volta do ano 93, o historiador judeu Flávio Josefo, em suas Antigüidades Judaicas, descreve detalhadamente o cerco e a destruição da cidade santa.

No começo do século II, o imperador Adriano (117-138) ordenou a reedificação de Jerusalém. Mas, ao mesmo tempo, mandou encher a cidade de ídolos. As sobras da resistência de Israel ficaram inflamadas. Um pseudo-messias chamado Bar Kókeba, e um certo rabi Akiba, incentivam a revolução.

Mais três anos de horror se sucedem. Os fanáticos combatem em duas frentes: contra os romanos e contra os cristãos. Roma esmaga impiedosamente os agitadores. Bar Kókeba é degolado e os sobreviventes dispersos. Os judeus só poderão aproximar-se novamente de Jerusalém apenas a cada quatro anos, para poderem chorar e lamentar a sua desgraça.

domingo, 25 de abril de 2010

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

9º Capitulo

´´O Novo Testamento``


Ao longo do século I vão se formando as Escrituras cristãs. A língua em que foram escritos os livros do Novo Testamento é o grego (o grego no Império Romano era como o inglês em nossos dias - a língua universal). Colecionam-se as epístolas de Paulo como livros inspirados. As várias tradições orais sobre a vida de Jesus e seus ensinamentos se cristalizam nos evangelhos. Em torno do ano 50 temos o Evangelho de Mateus escrito em aramaico. O Evangelho de Marcos é redigido por volta de 64, em Roma. O Evangelho de Lucas, o Evangelho de Mateus em grego e os Atos dos Apóstolos aparecem a partir do ano 70.

Outros apóstolos e figuras ilustres também redigiram epístolas. Pedro (1Pd c. 64, 2Pd entre 70 e 80), João (1Jo, mais ou menos em 95, 2Jo e 3Jo foram escritas um pouco antes), Tiago (Tg em torno de 62) e Judas (Jd entre 70 e 80). A epístola aos Hebreus é datada por volta do ano 67.

Ainda assim, a fixação do cânone do Novo Testamento levaria um bom tempo. Juntamente com os livros inspirados circulavam inúmeros evangelhos, epístolas, atos de apóstolos e apocalipses apócrifos.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

8º Capitulo

´´João``

Entre os anos 92 e 96, João, o discípulo que Jesus amava, encontrava-se na ilha de Patmos, deportado por ordem do imperador Domiciano. De seu exílio testemunhava a crueldade das perseguições contra a Igreja.

Inspirado por Deus, sentindo a necessidade de reagir contra o desespero e a angústia que ameaçavam os cristãos, escreveu um livro que é o grito de esperança e confiança em Deus de todo seguidor de Jesus: o Apocalipse.

Quando o primeiro século chega ao seu final, o apóstolo é um ancião venerável, cheio de glória e santidade, reverenciado por toda a Igreja. O seu corpo conservava as marcas do suplício do óleo fervente, do qual tinha sobrevivido milagrosamente.

Entre 96 e 104 conclui o quarto Evangelho. Entre suas maiores preocupações estavam as heresias e os erros que ameaçavam a integridade da fé. Seu estilo teológico é bem particular, marcado por influências do pensamento grego (o Verbo, ou Logos, por exemplo).

Com a morte do discípulo que Jesus amava, aquele que recebeu Maria em sua casa como mãe, que viu o sangue e a água saindo do lado do Salvador e que conheceu e tocou com as mãos o Verbo da Vida, encerram-se os tempos apostólicos.