quarta-feira, 12 de maio de 2010

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

17º Capitulo

´´As heresias``

O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou advertências contra o risco das práticas judaizantes, gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos mortos.

O Apocalipse de João denuncia duas seitas gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo Testamento e levavam uma vida libertina.

O que é gnose? A gnose é uma espécie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espécie.

Os gnosticismo cristão (sim, porque havia também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e pagão) possuía uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes eões eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de eões constituíam o pleroma.

No meio da seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento.

O homem, emanação do éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo. Os que querem viver estão condenados. São chamados de "hílicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psíquicos", têm a possibilidade de alcançar a paz interior. Finalmente, os que renunciam à vida, os "espirituais", são os únicos capazes de obter a salvação.

Jesus era um éon escondido em um invólucro de carne humana. A razão de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose.

Existiu um gnosticismo sírio-cristão, encabeçado por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também houve o gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número de seitas era enorme.

Temos Marcião, gnóstico "híbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.

Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas.

Marcião organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores serão irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passará para o maniqueísmo no século III.

Há ainda o montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia, acreditava ser o único depositário do dom da profecia. Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um movimento de evangelização frenético pelas províncias do Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Espírito.

Tal loucura se espalhou rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A austeridade moral exigida por Montano não espantava em um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na iniciação dos mistérios frígios. O martírio era obrigatório no montanismo.

A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares.

A controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia 14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no século II, jurisdição sobre todas as igrejas).

O monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo).

Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

16º Capitulo

´´Vida de fé e sacramentos``

Quem vai a Roma atrás de atrações turísticas quase certamente vai querer conhecer as catacumbas, cemitérios subterrâneos na periferia da cidade antiga. Lá os cristãos enterravam seus mortos. Nessas galerias subterrâneas gerações de fiéis oraram pelos seus entes queridos. Nas suas paredes existem várias pinturas relembrando cenas bíblicas: Moisés batendo no rochedo, Daniel na cova dos leões, Jonas saindo das entranhas do peixe ou o Bom Pastor...

O rito de iniciação cristã, como já vimos, era o batismo, geralmente ministrado para adultos (só quando o cristianismo se tornar religião majoritária a prática do batismo de crianças será a praxe comum). Os conversos tinham um período de preparação, o catecumenato, durante o qual se preparavam para receber este sacramento.

Os que eram aprovados, recebiam o batismo nas correntezas de algum rio. Quando não houvesse rio, era utilizada uma piscina. E, na falta de uma piscina, batizava-se derramando a água sobre a fronte, como se faz hoje em dia em nossas igrejas.

Ao receber o batismo o fiel já pode se aproximar da eucaristia, a carne e o sangue de Jesus Cristo. Eucaristia é uma palavra grega que quer dizer "ação de graças". Todos os domingos os cristãos se reuniam na casa de alguém - podia ser a casa de um rico convertido - para celebrar a Santa Missa (o termo missa parece ser oriundo do latim - "ite missa est", "ide, é o fim", dizia o diácono, despedindo os fiéis - e é usado a partir do século IV). Em tempos de perseguição ou no aniversário de morte de um mártir, os fiéis se dirigiam às catacumbas, onde era mais seguro. Faziam-se leituras do Antigo Testamento ou das cartas dos apóstolos. Em seguida o presidente exortava a assembléia, com base na Palavra proclamada. Após esta "homilia", os fiéis faziam suas preces e ofertavam no altar o pão, o vinho e a água. O presidente então dizia preces e ações de graças, repetia as palavras de Jesus na última ceia (consagrando o pão e o vinho), e iniciava a distribuição da Eucaristia. Os diáconos levavam parte do alimento consagrado para os ausentes. Os fiéis mais generosos entregavam suas doações ao presidente, que as dividia entre os orfãos, as viúvas, os doentes, os estrangeiros e encarcerados.

Pouco a pouco começa a se organizar um ciclo litúrgico. No segundo século a festa da Páscoa era comemorada anualmente.

Jesus era o centro da fé. Orava-se várias vezes ao dia, erguendo-se as mãos e voltando-se para o Oriente, ajoelhando-se, prostrando-se. Orava-se antes das refeições, ao levantar, na hora de dormir, quando se fazia alguma ação especial, enquanto se trabalhava ou antes de sair para visitar alguém. Havia também o costume, herdado dos judeus, de rezar na hora terceira, na hora sexta e na nona. Rezava-se o Pai Nosso, salmos extraídos das Escrituras, hinos, como o Magnificat e o Benedictus, além de orações espontâneas.

À medida que o cristianismo crescia em número, aumentavam os casos de fiéis que cediam às tentações da cobiça, da luxúria, da apostasia...

A penitência era algo levado muito a sério. Quem pecasse gravemente depois do batismo podia não mais voltar para a comunhão da Igreja. No século II duas correntes se enfrentam: uma mais rigorista e outra mais tolerante. A primeira recusava o perdão em todos os casos, deixando os fiéis em pecado grave entregues à própria sorte. O poder de perdoar, concedido a Pedro e aos demais apóstolos, era usado com muito critério naqueles tempos.

No fim do século II, o cristão em pecado grave era obrigado a oferecer algum tipo de reparação para a Igreja. Durante algum tempo era excluído da liturgia eucarística e precisava fazer jejuns, dar esmolas, submeter-se a severas mortificações até o dia em que o bispo lhe concederia a absolvição.

O casamento era vivido pelos cristãos com um sentido inteiramente novo. Para eles a relação entre marido e mulher devia refletir a relação entre Cristo e a Igreja. O casamento era um sacramento no qual o mistério do amor humano era assumido e elevado pela graça. Apesar deste caráter sobrenatural, no entanto, não havia nenhuma cerimônia litúrgica especial para o casamento. "Os cristãos se casam como todo mundo", diz a epístola a Diogneto. O aborto e o abandono de crianças, práticas comuns entre os pagãos, eram totalmente condenados. O matrimônio, para os seguidores de Jesus, era indissolúvel.

Da maior parte dos papas deste século não restou senão o nome (Evaristo, Alexandre, Sixto, Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sóter, Eleutério...). Mesmo assim, o primado da Igreja de Roma e do seu bispo, o Sucessor de Pedro, era amplamente reconhecido e aos poucos ia ganhando maior destaque.

Embora houvesse várias igrejas espalhadas pelo orbe, todos os fiéis tinham consciência de pertencerem à grande Igreja, a Igreja de Jesus Cristo

segunda-feira, 3 de maio de 2010

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

15º Capitulo

´´Difusão do Cristianismo no 2º século``


No final do século II, existem cristãos espalhados em todos os lugares do mundo romano. No Oriente (Ásia Menor, Síria, Palestina), a concentração de fiéis é maior, inclusive fora das cidades. No Ocidente, o progresso da evangelização é desigual. O Evangelho penetrou profundamente na Itália Central, no sul da Espanha, no norte da África. Na Ilíria, na Itália do Norte e na Gália a presença é menor.

Fora do Império existiam cristãos no reino de Edessa e no Império Persa.

História da Igreja Católica


Do Nascimento ao Triunfo

14º Capitulo

´´Os apologistas``

"De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente entraram em relação com as escolas filosóficas. Isto não significa que tenham identificado o conteúdo da sua mensagem com os sistemas a que faziam referência. A pergunta de Tertuliano: ‘Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?’, é um sintoma claro da consciência crítica com que os pensadores cristãos encararam, desde as origens, o problema da relação entre a fé e a filosofia, vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas limitações" (Fides et Ratio, n. 41).

Durante o século II um considerável número de gentios com sólida formação intelectual ingressou na Igreja. O fato de terem aderido ao Evangelho os obrigava ao confronto com a filosofia gentílica. Para defenderem a fé dos ataques dos perseguidores, e também dos detratores, muitos escreveram obras inteiras de apologética, ficando por isto conhecidos como Apologistas.

Entre os ataques ao cristianismo promovidos por intelectuais, podemos citar o discurso do retor Frontão de Cirta, preceptor de Marco Aurélio, Luciano de Samósata e Celso (com sua obra polêmica: Alethès lógos, c. de 178). Entre as acusações contra os cristãos, as mais comuns são a de ateísmo, assassinato ritual de crianças e traição ao imperador.

O grafitto do Palatino nos mostra um asno crucificado com algumas inscrições. Um certo Alexamenos, jovem cristão, é ridicularizado pelo companheiro de estudo: "Alexamenos adora o seu Deus". Em resposta escreve ao lado do insulto a frase: "Alexamenos fiel".

Diante da cultura pagã a Igreja assumiria duas posições: uma de oposição e rejeição (com Taciano, Teófilo ou Tertuliano, por exemplo), e outra de aproveitamento, assimilação dos seus aspectos positivos (Justino e outros pensadores cristãos, principalmente do mundo grego). A influência de filósofos gregos, principalmente Platão, sobre os Padres da Igreja é marcante.

Entre os apologistas, citamos Quadrato, Aristão, Milcíades, Apolinário, Melitão, Aristides de Atenas e Justino. Também merecem destaque Taciano, Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Hérmias e a epístola a Diogneto.

Quadrato foi discípulo dos apóstolos. Apresentou uma apologia ao imperador Adriano, em 123/124 (ou em 129?). Aristão de Pela defendeu o cristianismo contra os ataques dos judeus redigindo o Diálogo entre Jasão e Papisco sobre Cristo. Milcíades, retor originário da Ásia Menor, escreveu várias apologias contra os gregos e os judeus. Apolinário, bispo de Hierápolis, compôs quatro apologias. Melitão, bispo de Sardes, enviou uma defesa da fé cristã ao imperador Marco Aurélio.

Aristides de Atenas, um filósofo, redigiu sua Súplica em favor da religião cristã para o imperador Adriano.

De todos os apologistas aquele que merece mais destaque, com certeza, é Justino. Martirizado pelo ano 165, era filho de uma família greco-pagã de Flavia Neapolis, antiga Siquém, na Palestina. Familiarizado com muitas correntes filosóficas, não encontrou nenhuma que lhe desse todas as respostas que procurava. Sua mente e seu coração só encontraram a resposta na fé cristã.

Conservamos de suas obras duas Apologias contra os gentios e o Diálogo com o judeu Trifão.

A teoria das sementes do Verbo que ele formulou estabeleceu uma ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo. Em seus escritos encontram-se valiosas informações sobre o batismo e a celebração litúrgica. Justino chega a esboçar uma formulação do dogma da transubstanciação. "De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado". Também é relevante o paralelo que ele faz entre Maria e Eva, semelhante ao paralelo paulino entre Cristo e Adão.

Taciano foi discípulo de Justino. Depois do martírio do seu mestre, deixou Roma e voltou para o Oriente, sua região de origem. Acabou aderindo à seita dos encratitas, pregando a abstinência do matrimônio, do vinho e da carne. Seguindo Epifânio, substituiu o vinho pela água na eucaristia. Escreveu várias apologias.

Atenágoras de Atenas supera Justino em sua linguagem, estilo e ritmo. É mais tolerante do que Taciano no que se refere à filosofia e cultura gregas. Fez uma "Súplica em favor dos cristãos", dirigida, cerca de 177, a Marco Aurélio e Cômodo. Testemunha a fé da Igreja na Trindade antes do concílio de Nicéia: os cristãos adoram o Pai, o Filho e o Espírito Santo e veneram os anjos.

Teófilo de Antioquia, bispo desta cidade, escreveu três livros A Autólico, depois de 180. É o primeiro a empregar o termo triás para falar de Deus.

A carta a Diogneto foi redigida na segunda metade do século II, de acordo com a maioria dos estudiosos. Um certo Diogneto teria feito a um cristão três perguntas: 1) Qual a religião dos cristãos e por que eles rejeitam o judaísmo e o paganismo? 2) O que é a caridade para com o próximo? 3) Por que a religião cristã apareceu tão tarde na história do mundo?